(Con)Textos em Escuta Sensível
31/05/2013 14:00
Depois de receber a avaliação da profª Enny (Doutora em Educação-currículo) coloco aqui um pouco sobre a escuta sensível colocada em meu trabalho sobre as implicações da complexidade como escuta ativa.
A postura que se requer para uma escuta sensível
é uma abertura holística. Trata-se na verdade de
se entrar numa relação de totalidade com o outro, tomado
em sua existência dinâmica. Alguém só é pessoa
através da existência de um corpo, de uma imaginação,
de uma razão e de uma afetividade, todos em interação
permanente. A audição, o tato, a gustação, a visão
e o olfato se aplicam à escuta sensível. A escuta sensível
se apóia sobre a totalidade complexa da pessoa.
René Barbier
SUMÁRIO
Apresentação...................................................................... 11
Capítulo I
Escuta Sensível: O que é? (Escuta Sensível em Diferentes
Contextos Laborais)
Teresa Cristina Siqueira Cerqueira e Elane Mayara
Sousa................................................................................... 15
Capítulo II
Escuta Sensível do Professor no Contexto da Educação
Infantil
Leonília de Souza Nunes; Maria de Fátima Guerra
Sousa e Teresa Cristina Siqueira Cerqueira..................... 53
Capítulo III
Bicho Solto(Escuta Sensível no Contexto da Psicanálise)
Maruza Bastos de Oliveira................................................ 123
Sobre as Autoras................................................................ 195
APRESENTAÇÃO
Este livro pretende provocar reflexões e discussões
acerca do tema Escuta Sensível. A proposta de elaborar
um livro sobre essa temática é na realidade um desejo das
autoras de convidar o leitor para uma grande aventura
teórica e prática. Essa aventura pode ser compreendida
na configuração das conexões que são apresentadas pela
Escuta Sensível.
As autoras têm produzido reflexões teóricas e pesquisas
relevantes para a compreensão da temática que, se partilhadas,
podem oferecer informações para subsidiar debates
sobre esse sujeito que escuta e que deseja ser escutado.
Com a intenção de contribuir para esse debate,
empenhamo-nos em organizar na forma de um livro
reflexões sobre o contexto atual da escuta sensível. A proposta
foi perceber, por intermédio de diferentes olhares, como
acontece a escuta sensível em diversos espaços da vida.
Com o título (Con)Textos em Escuta Sensível, esta obra
busca valorizar a abrangência dos espaços onde acontecem
interações dos sujeitos, tendo a escuta sensível como
elemento primordial para o desenvolvimento da pessoa
humana. No seu conjunto, os textos apresentados abordam
significações forjadas no universo laboral que fazem parte
da construção de uma escuta sensível.
No primeiro capítulo, as professoras e autoras
Teresa Cristina Siqueira Cerqueira e Elane Mayara Sousa
convidam o leitor a conhecer e refletir sobre o que é escutar
e apresentam conceituações de escuta sensível. Discutem,
Teresa Cristina Siqueira Cerqueira (Org.)
ainda, a compreensão e relevância da escuta sensível nos
diferentes contextos pedagógicos: hospitalar, escolar,
orientação educacional e empresarial. Para desenvolver
suas reflexões, as autoras consideram que “a escuta sensível
é uma prática incessante, permanente, que busca a todo
momento reconhecer o indivíduo na sua singularidade. A
escuta sensível não conforma-se com o superficial, ela busca
a essência, a completude”.
Ainda dentro de uma linha voltada para aspectos da
escuta sensível verificados no universo escolar, as autoras
Leonília de Souza Nunes, Maria de Fátima Guerra de Sousa e
Teresa Cristina Siqueira Cerqueira, apresentam no segundo
capítulo intitulado como Escuta Sensível do Professor no
Contexto da Educação Infantil aspectos dos indicadores da
escuta sensível do professor; realizam uma profícua revisão
e discussão, além de apresentarem e analisarem os dados
de uma investigação científica, portanto, uma importante
aplicação da escuta sensível na educação.
Para finalizar, no texto apresentado no terceiro
capítulo, Bicho Solto, a autora Maruza Bastos de Oliveira nos
brinda com um relato que aborda as possíveis implicações
entre a escuta sensível e os meandros da formação de sujeito
“marginal”, na perspectiva da psicanálise e na vivência de
uma comissária de Justiça da Infância e Juventude no Rio
de Janeiro.
Espera-se com esse livro, que o leitor possa refletir
sobre o tema da Escuta Sensível dentro de uma perspectiva
multidimensional, considerando que o sujeito se constitui
como alguém que, ao mesmo tempo se apropria da fala e
da cultura, se constrói como pessoa e reconstrói a realidade
em que vive, numa constante interação com os outros. A
Escuta Sensível “busca perscrutar os mundos interpessoais
(Con )Textos em Escuta Sensível
que constituem nossa subjetividade para cartografar o
movimento das forças de vida que engendram nossa
singularidade”.
A presente obra objetiva estimular a reflexão sobre os
(con)textos da Escuta Sensível, revelando sua diversidade e
interface com outras disciplinas e contextos.
Brasília, DF, Maio de 2011
Teresa Cristina Siqueira Cerqueira
CAPÍTULO I
ESCUTA SENSÍVEL: O QUE É?
Escuta Sensível em Diferentes Contextos Laborais
Teresa Cristina Siqueira Cerqueira
Elane Mayara Sousa
Diante de uma atualidade tão moderna e “corrida”, onde
não há espaço para todas as tarefas que deveriam ser
realizadas, as pessoas acabam tendo que priorizar algumas,
e, as vezes, sem que percebam, acabam por valorizar as coisas
menos importantes e deixam de lado as verdadeiramente
essenciais. O contato com o outro, o espaço para as relações
interpessoais, a qualidade destas relações muitas vezes
perderam espaço nas relações diárias.
A sociedade sofre com inúmeros problemas, entre eles
a violência, que é um fator constante, frequente e crescente
no nosso dia a dia, infelizmente. Diversas barbáries são
relatadas na televisão, no rádio, na internet. E, por mais
que existam policiais, leis, justiça, já não está sendo possível
conter todas essas situações. E será que diante de tudo isso
já paramos para pensar qual o grande motivo para todos
estes acontecimentos? Provavelmente seja a falta de amor ao
outro, se assim posso chamar, qualifico como “desamor”. O
desamor pelo próximo, o desamor pelas ações solidárias, o
Teresa Cristina Siqueira Cerqueira e Elane Mayara Sousa
desamor pelas relações humanas amorosas, o desamor pela
vida.
Como valorizar a vida se já não há cultivo da
importância dela? Como o ser humano que nunca foi
tratado com carinho, compreensão, vai ser generoso e
solidário com o outro? Uma criança que cresce sem ser
notada, escutada, amada, torna-se futuramente um ser
insensível, frio, tais como os milhares de traficantes de
drogas, assassinos, estupradores que são figuras muito
presentes na nossa sociedade. Mas se pensarmos bem, como
poderia ser diferente? Se foi em um contexto de desamor
que eles cresceram, será um contexto de desamor que eles
vão criar. Para amar o outro, é preciso que nos amemos e que
nos sintamos amados. Longe de nós querermos colocar a
culpa em alguém. Essa é apenas uma das inúmeras questões
que iremos expor e que merecem reflexão. Afinal, para que
se colha o bem é necessário planta-lo.
E da mesma forma que ama quem é amado, escuta
quem é escutado. A escuta sensível, tema a ser tratado
neste livro, é exatamente essa proposta de troca mútua,
entre quem fala e quem escuta, em que ambos sujeitos
do processo se doam para que haja a aceitação total da
complexidade e completude do ser humano. O processo da
escuta sensível é uma prática que necessariamente precisa
acompanhar as diversas fases da evolução humana, pois ela
também é uma das promissoras para o desenvolvimento
integral do sujeito, na medida em que este constitui-se
como tal na relação com o outro. A escuta sensível é uma
grande possibilidade de crescimento, pois à medida que se
escuta as angústias do outro, há uma aproximação deste,
um conhecimento, e, ao conhecermos o outro, aprendemos
a nos conhecer também.
ESCUTA SENSÍVEL: O QUE É?
As relações humanas são peças fundamentais do
contexto social em que vivemos desde as mais remotas
situações até os mais inusitados acontecimentos. Estamos
nos relacionando com o outro, e já que este relacionamento
é de fato inevitável, busquemos a sua qualidade. A escuta
sensível é uma porta que nos leva a conhecer o outro na
sua totalidade humana e social. Permite-nos conhecer as
várias faces de uma pessoa: seu lado forte, seu momento
frágil, sua dor, sua alegria, sua coragem, seu medo; a escuta
nos permite a aproximação, e esta é a proposta da escuta
sensível: entrar em totalidade com o outro.
O Que é Escutar
O escutar pode ser definido como a sensibilidade
de estar atento ao que é dito, ao que é expresso através de
gestos e palavras, ações e emoções. O conceito encontrase
relacionado ao ouvir com atenção, o que infelizmente
está um pouco distanciado da prática que é exercida na
atualidade.
As pessoas julgam o escutar e o ouvir como atos idênticos,
entretanto, são relevantes as diferenças entre ambos. O ouvir
está relacionado aos cinco sentidos – audição, tato, gosto, visão
e olfato – que compreende o ouvir o que é dito, o que as palavras
revelam, ou seja, fica mais restrito a simples audição do que é
falado. Já o escutar precisa ir além da limitação daquilo que é
explicitamente dito, segundo Ceccin, 2001, p.15 “escutar exige
a percepção, sensibilidade de compreensão para aquilo que fica
oculto no íntimo do sujeito. A audição se refere à captação dos
sons, enquanto a escuta diz respeito à captação das sensações
do outro, realizando a integração ouvir-ver-sentir”.
Teresa Cristina Siqueira Cerqueira e Elane Mayara Sousa
O sujeito expressa-se de variadas formas, o
comportamento, o estado de espírito deste, pode ser
compreendido, entendido, até por meio do silêncio, onde
cabe ao observador a sensível percepção para compreender
o outro na sua completude e complexidade. O silêncio
também é uma das grandes formas de expressão do sujeito, e,
por isso, faz-se necessária a sua compreensão. A linguagem
silenciosa é conhecida como motricidade expressiva, a qual
possibilita perceber as ações subjetivas do indivíduo.
O sujeito é composto de características objetivas e
subjetivas. A objetividade é mais facilmente identificada,
reconhecida; já a subjetividade tem traços mais “tímidos”,
ocultos, que necessitam de maior sensibilidade para que
possam ser descobertas.
É indispensável lembrar que o homem permanecerá, para
sempre, um ser dividido entre o silêncio e a palavra, e
que somente a escuta do pesquisador poderá penetrar e
captar os significados do não-dito. A pessoa que se dispõe
a escutar não basta que tenha ouvidos, é necessário que ela
realmente silencie sua alma. Silencie para perceber aquilo
que não foi dito com palavras, mas que talvez tenha sido
expresso em gestos, ou de outra forma. (BARBIER, 2002,
p.141).
Escutar é a ação de receber justamente o que o outro lhe
diz, sem pré-julgamentos, o que exige certa “neutralidade”,
ou seja, o ouvinte precisa estar ali para escutar o que é dito e
expresso, e não para fazer errôneas interpretações. Eis uma
ação bem difícil de ser realizada, porque a gente muitas
vezes não consegue ouvir o que o outro fala sem logo da um
palpite, fazer uma crítica, sem misturar aquilo que ele diz
ESCUTA SENSÍVEL: O QUE É?
com aquilo que a gente tem a dizer. O ser humano perdeu
um pouco da disposição de estar com o outro, o mundo gira
em torno do egoísmo, em que as pessoas já não conseguem
sequer, praticar uma das mais simples ações: escutar,
simplesmente escutar.
Se ao escutar estivermos cheios de opiniões
formuladas e pré-conceitos, não estaremos dando margem
de expressão ao desabafo do outro. Conforme Coelho,
2009, p.26 “Escutar sensivelmente significa esvaziar-se de
nós mesmos para que possamos reconhecer o outro na sua
singularidade”.
O ouvinte não deve julgar, medir, comparar. Ele
deve sair de si e partir do outro, realizar um movimento
de compreensão, sem adesão ou identificação com as
opiniões, ou ao que é dito ou ao o que é feito. Mas,
percebe-se que a ação de escutar não é algo tão simples. O
ser humano, atualmente, em função do temor da violência
e de outros aspectos socioculturais já não consegue ser tão
generoso. A sociedade é produto e produtora de pessoas
que não estão comprometidas umas com as outras, por
vezes nos tornando arrogantes, egoístas, incapazes de
escutar. Consideramos que o que acontece conosco é o
mais importante, e o que é por nós mesmos falado é uma
das poucas coisas que faz sentido. A beleza da aproximação
do eu com o outro, de compreensão desse sujeito que nos
fala, que fala querendo ser escutado, foi perdida, já não se
enxerga beleza no silêncio. De acordo com Alves, 2009,
vive-se no mundo do individualismo, já não há espaço para
valorizar as singularidades. Esquece-se que o ser humano
é formado por partes que dão margem ao todo. Querer
compreender apenas partes é partir do princípio que o ser
humano não é sujeito dono de um contexto.
Teresa Cristina Siqueira Cerqueira e Elane Mayara Sousa
Às vezes o ouvinte se dispõe a ouvir sem se dispor
a escutar. Essa é uma prática comum, em que são muitas
as pessoas que falam e poucas as que realmente escutam.
O que a pessoa fala fica solto no ar, pois nada daquilo
que foi por ela dito, foi pelo ouvinte atribuído alguma
significância. Há um foco no “eu” e um desprezo ao
“outro”. Essa é a constante prática, que nos impede de
ouvir as angústias e anseios, emoções e alegrias do
outro, o ser que nos fala. O silêncio já não faz parte de
nossas vidas, é como se não houvesse tempo para ele. E
como ouvir o outro se não silenciarmos a nós primeiro?
Precisamos ser mais receptivos e estar mais disponíveis
para aceitar o outro. Precisamos nos libertar de tanta
arrogância, afinal, precisamos uns dos outros, porque se
fosse para vivermos isolados, sozinhos, não teríamos sido
criados em espécies, não seríamos milhares, e sim apenas
um. No entanto, isso tem sido frequentemente esquecido.
A escuta é um processo fundamental nas relações
interpessoais. Ela propicia uma maior aproximação
destes sujeitos que se relacionam. A escuta proporciona o
reconhecimento do outro, a aceitação, a confiança mútua
entre quem fala e quem escuta. A escuta é uma das pontes
que permitem a aproximação dos sujeitos, que estabelece
a confiança para as relações interpessoais entre quem fala
para ser escutado e quem se permite escutar.
No dia-a-dia “moderno”, devido a tanta correria e
falta de tempo para as demais atividades, o ser humano
acabou por deixar de lado as principais essências da vida,
por exemplo, a de estar com o outro. É dada prioridade aos
afazeres do trabalho, academia, faculdade, e as relações
humanas ficam cada vez mais superficiais, resumindose
a uma conversa sem nexo na hora do almoço quando
ESCUTA SENSÍVEL: O QUE É?
se fala dos estresses do trabalho, das tarefas domésticas
etc. E diante de tantas coisas paralelas, onde fica o espaço
para as relações interpessoais? Elas, infelizmente, no
nosso contexto atual, não são uma prioridade. E diante
desta exposição, cabe mais uma reflexão: é mesmo
essa a sociedade que queremos para nós, para nossos
filhos? Afinal, é dela que resulta o caos que vivemos
atualmente. Grande parte dos problemas que se enfrenta
hoje é causada pela falta de amorosidade com o próximo,
pela desvalorização das relações humanas, por essa
superficialidade que tem sido cultivada.
O século XX I trouxe consigo inúmeras novidades,
inovações, entre elas as tecnológicas, e com estas um maior
distanciamento das pessoas. Hoje, pode-se conversar
com uma pessoa por um computador, via Messenger,
por exemplo, ou deixar-lhe um recado em uma página
de relacionamento. Com isso, você acaba substituindo
o momento de estar com um amigo, com o namorado,
com alguém importante, porque a “falta” já foi suprida
através da tecnologia, sem contar a economia de tempo
que seria gasto em um deslocamento para ir ao encontro
dessa pessoa. Percebe-se, principalmente na geração
atual, que o ser humano perdeu um pouco da vontade de
estar junto, de estar com o outro. Dessa forma, as relações
humanas ficam fragilizadas, e se já não há tempo para
estar junto, muito menos haverá disposição para escutar.
Freire, 1996, p.135, sobre o escutar, assim se posiciona: Escutar
é obviamente algo que vai além da capacidade auditiva de cada
um. Escutar significa a disponibilidade permanente por parte
do sujeito que escuta para a abertura a fala do outro, ao gesto
do outro.
Teresa Cristina Siqueira Cerqueira e Elane Mayara Sousa
Conceitos da Escuta Sensível
Já comentadas algumas sutis diferenças entre o escutar
e o ouvir, falamos agora dos conceitos de escuta sensível.
Para Ceccin apud Fontes, 2009, p. 31,
“Enquanto a audição se refere à apreensão/compreensão
de vozes e sons audíveis, a escuta se refere à apreensão/
compreensão de expectativas e sentidos, ouvindo através
das palavras as lacunas do que é dito e os silêncios, ouvindo
expressões e gestos, condutas e posturas”.
A escuta não se limita ao campo da fala ou do falado,
busca perscrutar os mundos interpessoais que constituem
nossa subjetividade para cartografar o movimento das
forças de vida que engendram nossa singularidade”.
A escuta sensível é a sensibilidade de captar o que não
foi dito, mas que pôde ser compreendido, percebido através
da sensibilidade do ouvinte. Ouvinte este que busca captar
e sentir as diversas formas de expressões do sujeito, para
que dessa forma o possa compreender em sua totalidade.
(CECCIN apud FONTES, 2005, p.31).
A escuta sensível pode ser definida segundo Barbier,
2002, p.2 como “um movimento de ‘escutar-ver’, que se apóia
na empatia. Supõe uma inversão da atenção, antes de situar
uma pessoa em seu lugar, comecemos por reconhecê-la em
seu ser, em sua qualidade de pessoa complexa”. A escuta
sensível reconhece a aceitação incondicional do outro, com
seus defeitos e qualidades, complexidade e simplicidade.
Não é uma mera interpretação de fatos e situações, ao
contrário, ela busca a compreensão pela empatia, ou seja, a capacidade
de nos colocarmos no lugar do outro, para que posESCUTA
SENSÍVEL: O QUE É?
samos dessa forma nos imaginar naquela situação pela qual
ele passa, e assim, nos aproximarmos mais dele. Entender as
percepções e sentimentos do outro, reconhecer seus medos e
fragilidades, capacidades e limitações, o que leva a ter como
consequência a aceitação incondicional do outro. A escuta
sensível exige a humanização das relações. Eis um dos seus
princípios fundamentais. O ser humano que tem uma prática
humanizada, dificilmente vai ter uma postura insensível, intempestiva,
o que facilita o espaço para as ações solidárias, o
espaço para estar disponível ao outro num simples gesto de
escutar. O que consequentemente ocasiona uma prática diferenciada
que proporciona a sensação de acolhimento.
Um dos principais conceitos relacionados à escuta
sensível é a empatia, e uma de suas definições é dada pelo
psicólogo americano Carl Rogers que a define como sendo :
“A maneira de ser em relação à outra pessoa denominada
empática. É a capacidade para entender as percepções e os
sentimentos de outra pessoa. Significa penetrar no mundo
perceptual do outro e sentir-se totalmente à vontade dentro
dele. Requer sensibilidade constante para com as mudanças
que se verificam nesta pessoa em relação aos significados
que ela percebe, ao medo, à raiva, à ternura, à confusão ou
ao que quer que ele/ela esteja vivenciando. Significa viver
temporariamente sua vida, mover-se delicadamente dentro
dela sem julgar, perceber os significados que ele/ela quase
não percebe, tudo isto sem tentar revelar sentimentos dos
quais a pessoa não tem consciência, pois isto poderia ser
muito ameaçador. Implica em transmitir a maneira como
você sente o mundo dele/dela à medida que examina sem
viés e sem medo os aspectos que a pessoa teme. Significa
frequentemente avaliar com ele/ela a precisão do que
Teresa Cristina Siqueira Cerqueira e Elane Mayara Sousa
sentimos e nos guiarmos pelas respostas obtidas. Passamos
a ser um companheiro confiante dessa pessoa em seu
mundo interior. Mostrando os possíveis significados
presentes no fluxo de suas vivencias, ajudamos a pessoa
a focalizar esta modalidade útil de ponto de referência, a
vivenciar os significados de forma mais plena e a progredir
nesta vivência”. (ROGERS, 1977, p.87).
A teoria não diretiva, também conhecida como
humanista de Carl Rogers trabalha com a aceitação
incondicional do sujeito, em que este é visto como
essencialmente bom, mas é corrompido pelo meio, pela
sociedade. E por essa influência que o ambiente tem sobre
o sujeito, que Rogers defende a aceitação incondicional do
ser por parte do pesquisador, do outro, o ser que escuta. A
pessoa é mais que um organismo biológico; é um ser humano
que pensa, sente, escolhe, decide, é um ser com capacidade
de mudança. Por isso, as relações humanas devem ter tais
características e centrar seu processo nas necessidades do
ser humano, do sujeito como um todo.
O humanismo defende que o comportamento deve
ser entendido através da experiência subjetiva do individuo,
ou seja, para entender a atitude, o gesto, a resposta, é preciso
conhecer e entender a pessoa que os produziu, incluindo a
maneira como a pessoa enxerga o mundo. É dada uma ênfase
ao significado, o propósito ou valor que a pessoa adiciona
as suas ações. A teoria humanista muito tem a ver com a
proposta da escuta sensível, em que ambas buscam a valorização
das expressões como fator primordial para a compreensão
do sujeito.
Para o exercício da escuta sensível, um dos elementos
necessários para a sua prática, é a abertura holística do
ESCUTA SENSÍVEL: O QUE É?
25
sujeito que ouve, no sentido de perceber todo o universo, a
motricidade expressiva. Procurar compreender, perceber o
outro na sua essência de sujeito que faz parte de um contexto.
Portanto, o que a pessoa tem a falar é muito mais do que
aquilo que é percebido superficialmente. O que exige do
ouvinte uma insatisfação com o superficial. O sujeito dono
de um contexto sempre tem muito mais a relatar, a desabar,
a compartilhar do que somente o que se ouve, afinal, se está
falando da prática do escutar e não só da capacidade de
ouvir.
A escuta sensível pede a compreensão do sujeito como
um todo. Isso envolve seu estado de um sujeito completo
e complexo. A complexidade refere-se a compreender os
vários elementos que fazem parte do contexto do sujeito.
Entendido como um ser social, que sofre as influências
do meio em que vive. Conhecer o outro pede conhecer
sua subjetividade, adentrar as barreiras do corpo físico e
buscar a essência no seu verdadeiro eu, o eu interno, que
nem sempre se exibe, mas que guarda os mais importantes
“segredos”. O assassino não nasceu assassino, da mesma
forma que o herói não nasceu herói. Ambos sofreram
influência do meio em que viveram e do contexto em que
foram criados, onde foram desprezados ou acolhidos. Ou
seja, um dos grandes fatores que influenciam o que cada
um torna-se é justamente os contextos do qual estes fazem
parte, desta forma, não é possível ignorar a relevância do
contexto social e sua influência na constituição humana.
Nem sempre as palavras são as melhores
transmissoras das mensagens, é preciso buscar também no
silêncio aquilo que não foi através do som pronunciado.
No entanto, não é a simples interpretação que dá sentido
as formas de expressão do outro. É bem difícil ouvir o que
Teresa Cristina Siqueira Cerqueira e Elane Mayara Sousa
o outro diz sem interpretarmos, na maioria das vezes, à
nossa maneira. E justamente sobre essa dificuldade de
“suspensão absoluta da interpretação” que Ceccim e
Carvalho, 1997, p.31 afirma que:
“Considerando a escuta como a escuta de uma fala, de
um discurso, cercada de multirreferencialidade, como o
próprio Barbier aponta, seu exercício requer a inferência
do ouvinte sensível. O Julgamento, a interpretação, a
crítica, portanto, atravessam todo o processo, não sendo
possível realizar, em nenhum momento, a sua suspensão
absoluta. Mais do que audição, é preciso empreender um
movimento de ‘ouvir-ver-sentir’. Quanto à associação que
produz com o termo pedagógico, sugere que este ‘ouvirver-
sentir’ decorre de uma sensibilidade aos processos
psíquicos e cognitivos experimentados pelo outro”.
O sujeito que escuta não diminui por isso, seu direito
de discordar, mas apenas, exerce a capacidade de respeitar
a opinião diversa da sua, o pensamento contrário, a expressão
diferente. O ouvinte, dessa forma, faz uso de uma escuta
positiva no sentido de não impor uma opinião ou postura
autoritária em relação ao ser que lhe fala. É mais uma vez
a difícil tarefa de compreender o outro, dentro do seu contexto,
e não sobre nossas interpretações pessoais. A criança,
o sujeito, deve ser pensado em todas as suas necessidades
específicas. Ele precisa ser visto, escutado, sentido, para
que dessa forma fique mais próximo a sua compreensão.
Percebe-se em Freire, 1996, p.131, que no processo da fala e
da escuta a disciplina do silêncio a ser assumido com rigor
e a seu tempo pelos sujeitos que falam e escutam é um ‘sine
qua’ da comunicação dialógica”.
ESCUTA SENSÍVEL: O QUE É?
Corroborando com a idéia de Freire, (1996) sobre o
silêncio, Barbier, 2007, p. 97 afirma que:
No domínio da expressão humana, o que é supérfluo cai,
desde o momento em que se encontra diante do silêncio
questionador. É com efeito no silêncio, que não recusa os
benefícios da reformulação, que a escuta sensível permite
ao sujeito desembaraçar-se de seus “entulhos” anteriores.
Eis a importância da valorização da singularidade das
expressões de cada sujeito. A escuta sensível não limita,
não delimita, ao contrário, ela busca explorar os caminhos
até então desconhecidos.
Escuta sensível é, talvez, um termo não muito
utilizado no senso comum, e provavelmente por isso, fazse
uma expressão pouco conhecida, entretanto, sua prática
precisa ser frequente e é, acima de tudo, essencial em vários
contextos, onde alguns desses serão abordados a seguir.
A Escuta Sensível em Contextos Hospitalares
O ambiente do hospital, muitas vezes, faz-se pesado,
pois há muitas histórias de dor e sofrimento guardadas lá
dentro. O profissional que trabalha nesse ambiente, por
conta dessa fragilidade do contexto, necessita ter um olhar
diferente, uma escuta sensível. Necessita exercer uma escuta
constante, proporcionando o hábito e a prática do diálogo,
imprescindível para a recuperação dos enfermos.
E neste contexto surge a Pedagogia Hospitalar que
emergiu da necessidade de se atender as crianças e os
adolescentes que por motivos de saúde/deficiência necessitam
Teresa Cristina Siqueira Cerqueira e Elane Mayara Sousa
ficar por muito tempo hospitalizado, necessitando, também,
de atendimento pedagógico. E, diante de tais necessidades,
para que se assegurasse que estes sujeitos não ficassem
prejudicados em sua escolarização, foi integrado à equipe
médica o papel do pedagogo, com o objetivo de incluir a
criança/adolescente hospitalizado em seu mundo exterior e
dar continuidade à aprendizagem.
O pedagogo é o profissional responsável pela
integração da criança com o hospital, na medida em que ele
será um dos grandes articuladores do processo internação/
adaptação/escolarização. A prática pedagógica será uma
mediadora, uma facilitadora do processo de adaptação da
criança e para os profissionais da saúde o pedagogo será o
“referencial” da escuta sensível.
Utilizar a escuta sensível no trabalho hospitalar para
com essas crianças/adolescentes hospitalizados não quer
dizer apenas escutá-los, ouvir o que esses têm a dizer, e
sim, buscar conhecê-los em sua completude, penetrar em
seus mundos, em suas emoções, prática esta que deve ser
exercida por todos os profissionais atuantes no hospital.
Como já definido anteriormente, a escuta sensível
se caracteriza como um movimento de “escutar-ver”, que
objetiva a compreensão do outro em sua totalidade, e isso
se aplica bem ao universo hospitalar, onde o profissional
que atua neste ambiente necessita sentir o contexto afetivo.
É difícil compreender o sujeito descolado do seu espaçotempo
ao qual está intrinsecamente vinculado e com o qual
dialoga a todo momento da sua própria constituição. Fora
do contexto, o conhecimento não adquire sentido para a
compreensão do processo. O todo e as partes são unidades
complexas, sendo que o todo não se reduz apenas a soma
de suas partes. Se as partes se modificam, muda também o
ESCUTA SENSÍVEL: O QUE É?
todo. Aplicando isso ao contexto hospitalar, chegamos a um
importante ponto: antes de ser enxergado como paciente,
o sujeito deve ser enxergado como um ser humano. O fato
de estar internado, hospitalizado, não muda sua situação
como sujeito que tem contexto, história, e esta é uma das
importantes questões de se relacionar a escuta sensível ao
contexto hospitalar, pois a compreensão do sujeito como
um todo é um fator de humanização da relação médicopaciente.
Quando imerso no ambiente do hospital, tanto o adulto
quanto a criança, tendem a ficar mais fragilizados. A criança
em comparação ao adulto geralmente é mais vulnerável a
doença e ao tratamento. O processo de internação pode
causar perturbações temporárias ou permanentes no
desenvolvimento da criança, gerando marcantes mudanças
em seu modo de agir e no seu estilo de vida. A estadia no
hospital é um período complicado tanto para quem está
internado, como para seus familiares, amigos, pessoas que
acompanham, e, por isso, é essencial o cuidado para que esse
processo não deixe marcas e traumas eternos. É indispensável
respeitar a tristeza dos indivíduos, suas emoções. Ser solidário
e acima de tudo, humano com a dor do outro.
Falando especificamente da criança, para ela é um
grande choque essa mudança de rotina, pois essa é afastada
do seu mundo, de sua casa, da escola, dos amigos... De uma
hora para outra ela tem que se adaptar a muitas coisas novas,
sem a liberdade de ir ao parque de areia, subir em árvores,
soltar pipa e jogar videogame. Grande parte do seu mundo
fica restrito às paredes que a separam da vida lá fora, por
estar ela, no leito do hospital.
Privada do seu próprio mundo, a criança busca
mecanismos de defesa como forma de reagir a isso e utilizaTeresa
Cristina Siqueira Cerqueira e Elane Mayara Sousa
se desses para se ‘proteger’, e talvez o mais comum acessível
à observação, é a regressão a estágios de desenvolvimentos
anteriores. Dessa situação de hospitalização podem resultar
inúmeras consequências na criança, como já mencionado, e,
por isso, a escuta sensível no atendimento dentro do hospital
faz-se uma prática indispensável, para que o paciente possa
ter uma recuperação plena. A motivação inicial decorre da
preocupação em pensar a criança sob o ponto de vista de
suas diversas necessidades, proporcionar uma assistência
hospitalar que considere o humano em sua plenitude e
complexidade. A escuta sensível tem o objetivo de colher a
ansiedade e as dúvidas do indivíduo hospitalizado e de sua
família, criar situações coletivas de reflexão, e, até mesmo,
de compartilhamento de experiências. De acordo com
Cerqueira, 2007 seja em hospital ou em qualquer espaço
onde existam profissionais da área de saúde, é fundamental
o uso da escuta sensível, pois esta possibilita a abertura ao
diálogo que facilita a cura, adaptação ou entendimento da
doença vivida pelo paciente.
Também no ambiente hospitalar a diversidade é uma
grande realidade. Cada pessoa detém suas características
peculiares, seu modo próprio agir diante de uma situação
de adoecimento, suas dificuldades e potencialidades. Ainda
que o diagnóstico seja o mesmo para ambas pessoas, a
reação será diferenciada de indivíduo para indivíduo. O
profissional atuante no contexto hospitalar necessita ter o
cuidado de lidar com a complexidade do ser humano que
está ali naquele momento, e não só com a sua enfermidade,
isso exerce todo o diferencial, pois este está disposto a
lidar com a vida e não só com a doença. E justamente por
isso os profissionais da saúde devem estar atentos a essas
diversidades, apresentando posturas flexíveis, afetividade.